13 de agosto de 2012

Não, não é a novela das nove

Estou começando a me sentir um rato encalacrado no lixo ou um porco tentando se desatolar de um poço de lama.


Você vai pensar que estou sendo muito duro no início desta prosa. Alguns vão pensar que estou fazendo poesia com metáforas chocantes para fisgar a sensibilidade do leitor.


Não. Nem uma coisa, nem outra. Explico.


Moro num bairro de ótima qualidade de ar. As árvores daqui dão um tom de ruralidade e reproduz os ares do campo, na sua quase totalidade.


Pois bem, até aqui, nada que justifique o rato, o porco, o lixo e a lama do início do texto.


Tenha calma! Eu vou chegar lá.


Exaltei a principal qualidade da vila onde eu moro e vou ressaltar também a comunidade pacata e a vidinha bucólica que se tem pelas bandas de cá.


Você vai dizer que está diante da descrição de um bairro perfeito, e correr para ver se encontra uma casa à venda.


Não se afobe tanto! Antes, leia a segunda parte do texto, pois apesar de pontuais, há sim, coisas que preocupam alguém como eu que, tem por princípio morar num ambiente civilizado.


Com a crescente moda dos carros de exibição, a juventude recém-habilitada - ou mesmo a não habilitada -  tem promovido verdadeiras competições de poder ao equipar seus carros (quando não o dos pais) e o utilizarem  além do limite dos decibéis aceitáveis para uma boa convivência humana. Mais grave que isso é a galerinha do contra, que faz da noite dias de festa e sai como uma louca, descarregando sua energia, sem se importar com quem teve um dia exaustivo, e a única coisa que quer é ter o direito de pôr a cabeça no travesseiro e dormir candidamente.

Ser interrompido dos ótimos sonhos por uma orquestra de ruído que faz tremer até as vidraças não é uma experiência das mais agradáveis. Mas mais grave que isso é descobrir depois, que quem desfila pelas ruas do bairro pacato, com sua sinfonia de extremo mal gosto, é gente de bairros vizinhos.


Quanto às drogas, elas estão em toda parte, não seria diferente por aqui, afinal não vivemos no planeta Marte. Se bem que eu não sei se por lá também, não há coisas similares.


Esse é um aspecto negativo a se considerar. Praticamos a política da boa vizinhança, pois sabemos que da existência das drogas derivam-se situações desagradabilíssimas a quem pretende ter sossego e educar seus filhos com harmonia.


Mas o incômodo da vez deriva-se da falta de educação de um povo, que como cães e gatos não sujam a porta da sua casa, mas a porta da casa dos outros.


Nas últimas semanas choveu-nos informações sobre a Rio+20, o retorno das sacolinhas, o dia Mundial do Meio Ambiente, mas o problema da interferência bruta no meio está diretamente ligada a questão da educação e cultura do nosso povo.


Vida pacata não necessariamente deve ser praticar a filosofia do “tô nem aí”.


O que observo é que os costumes de uma parcela da sociedade não mudam com as palavras de incentivo que os meios de comunicação têm tentado fixar.


É balela pensar que os meios atingem toda nossa população. E tem mais. Tem gente que está pouco se lixando para as propagandas do governo. Está mais interessada em saber o que vai acontecer na novela das nove.


É nesse ponto que quero ficar.

Em falando da famigerada novela das nove, vou me atentar à questão do lixo, na sequência. Não vou me ater aqui à questão da injustiça social que assola este mundo, onde pessoas para sobreviverem precisam mergulhar e quase residir no meio do lixo. Este é assunto para uma outra prosa.


O que lamento agora é ver as proximidades da minha casa, um terreno baldio, começar a virar um lixão por pura falta de educação e respeito.


Ora! As pessoas precisam entender que nem todo mundo gosta de morar no meio da sujeira! Ao contrário, existem pessoas que, com consciência, sempre procuram zelar pela melhoria da qualidade de vida da comunidade em que vivem.


Não vou brigar com quem suja meu bairro, antes vou tentar orientar, buscar ajuda junto aos órgãos competentes e pedir a você que encampe essa luta. A de que se mudem os costumes das pessoas para colocarem o lixo certo na data certa e de preferência, separando-se os orgânicos dos recicláveis, pois existe um sistema de coleta que tem funcionado bem por aqui.


Bem que eu gostaria de poder mudar certas atitudes de pessoas lixeiras com um clique de uma varinha de condão, mas o que eu vivo não é uma ficção.


Discorrer sobre esse assunto e encontrar uma solução junto a você é o que eu mais gostaria de realizar neste momento, mas peço licença para interromper esta prosa. Preciso urgentemente perseguir um rato que acabou de passar embaixo da minha mesa e já deve estar disputando com uma barata quem alcança primeiro a despensa.



© Carlos José dos Santos – Todos os Direitos Reservados


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12 de agosto de 2012

O Picapau Amarelo

O “picapau” amarelo chegou à escola outro dia. Não entrou para estudar, não entrou para espiar, não foi para conhecer, nem para usurpar o lugar de ninguém.



O “picapau” amarelo entrou na sala de aula, dirigiu-se à Biblioteca e foi em direção ao pátio, para se instalar no palco.

Poucos sabiam que o picapau amarelo era um artista e gostava de fazer as pessoas rirem, encantarem-se e usufruírem uma cultura de imaginação, de ficção, do possível, do impossível, do pirlimpimpim.

Poucos imaginavam que boneca podia falar, que sabugo era sábio, que o pererê era amigo, que a vovó contava histórias e a tia fazia bolinhos deliciosos.

Quase ninguém entendia como um negro já de idade avançada, que jamais havia frequentado escola, conhecia os segredos da mata e da vida mais do que ninguém, até compreenderem a palavra experiência.

O “picapau” amarelo mostrou a todos que quando uma garota de nariz arrebitado e um rapazinho caçador de aventuras aparecem com algumas ideias, sejam elas normais, sejam elas de outro mundo, acontecem, porque sua sabedoria está em usar a imaginação.

E o “picapau” amarelo não ficou só no livro; não ficou só no palco. Ele entrou também na tevê e por ela, nas nossas casas.

O “picapau” amarelo entrou nas nossas vidas e quem não se rende a uma lembrança da infância embalada por ele, sinto muito dizer, mas não é tão feliz quanto eu.

A culpa do alvoroço que fez o “picapau amarelo”, ao saltar das páginas do livro para viver entre nós, foi de alguém que ousou falar aos adultos, falando pelas crianças.  Foi de alguém que pela língua sem papas de uma boneca de pano, falou tudo quanto estava entalado na garganta. Alguém que não poderia ter outro nome, senão Monteiro Lobato.

Minha intensa admiração não me negaria a criação deste tributo emocionado ao “Pai da Literatura Infantil”.

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Povo ou Polvo?

Quando a Apas – Associação Paulista de Supermercados decidiu junto ao Governo de São Paulo que não se distribuiria mais sacolas plásticas nos supermercados, achei a ideia fantástica. Ver aquela montanha se sacolas feitas de plásticos resistentes, que levam milhares de anos para se decomporem, sendo aterrados com o lixo orgânico me causava indignação.


Em casa, pelo menos dez anos antes dessa ideia aparecer, eu já comprava em Atacados e utilizava as boas caixas de papelão, que muitas vezes ficavam guardadas e acabavam cumprindo a função de embalagens retornáveis.
Depois que o plano da Apas foi colocado em prática, percebi a ideia sórdida que foi aquela. Com o pretexto de preservação do meio ambiente, o empresariado colocou nas costas do consumidor toda a responsabilidade desta missão. E o que fizeram os donos dos grandes supermercados, para participarem desse ato de cidadania? Simplesmente, anunciaram a venda, isso mesmo, a venda de sacolas alternativas, ditas “sustentáveis” e, como se fosse pouco, ainda mantiveram ou aumentaram preços.
O que se esperava de uma ideia brilhante é que, no mínimo, preços fossem abaixados, pois todo mundo sabe que neles já estavam embutidos os valores referentes a despesas com a distribuição das sacolas.
Se ao menos, ao chegar nos supermercados tivéssemos o incentivo de preços melhores, você e eu poderíamos encarar a medida com a maior tranquilidade.
O que causa minha indignação agora é a postura do empresariado ao jogar nas costas do povo, uma responsabilidade que é de todos.
É bom lembrar que, quando se fala em responsabilidade, esta é, em grau, proporcional à prática e ao uso dos bens de consumo e da produção de resíduos. Explico: a responsabilidade pela preservação do meio ambiente é muito maior para um empresário da indústria, do que para um cidadão comum assalariado, cujo rendimento é um salário mínimo por mês. Você entende o que eu quero dizer com o grau da responsabilidade de cada um? Quem suja mais, tem mais a limpar.
Se o grande vilão da história é o plástico, não seria lógico que todas as embalagens plásticas da imensa gama de produtos industrializados, fossem substituídos também?
Quero parabenizar, redes como Novo Atacado, Máximo, Dia ,  e outros pequenos empreendimentos pelo respeito aos seus clientes, pelo fato de continuarem distribuindo gratuitamente as sacolas (e biodegradáveis), mesmo enquanto a Apas trava forte queda de braço contra a justiça que se posicionou ao lado do consumidor.
A justiça, nesta última semana, ordenou a volta das sacolinhas gratuitas, pois a venda de qualquer outro material alternativo fere o código do consumidor, quando impõe aos clientes o ônus da proteção do meio ambiente.  Tão clara é a intenção da Apas e do Governo do Estado, de favorecer a grande rede de supermercados, é o que li ainda há pouco. Logo depois da decisão da justiça, a Associação, tão generosa com o meio ambiente, numa tentativa de barrar a volta das sacolas gratuitas, apareceu com a proposta da venda das ditas cujas por preços módicos, de sete a vinte e cinco centavos.
Vou continuar lamentando o fato de as pessoas não terem consciência e continuarem a dispor seu lixo orgânico, o que vai para debaixo da terra, nas sacolinhas, em vez do uso dos sacos biodegradáveis próprios. Porém, do jeito que estava, com o empresariado dos grandes estabelecimentos, cantando vitória, e faturando alto às nossas custas, não dava para continuar.


Quero seguir sendo chamado de povo, e não de polvo, como pensa o grupo que tirou as sacolas. Quero dizer que não sou uma aberração, pois não tenho oito braços para carregar minhas compras.

© Carlos José dos Santos – Todos os Direitos Reservados



A Festa do Livro

No dia 1 de julho, levei para Taubaté a minha mais nova turma, que também, e não por acaso é a Turma do Curupira. Tive o prazer de apresentar a senhora Lua-cheia às centenas de pessoas que encontrei na Avenida Alegria do Povo Taubateano (também conhecida como Avenida do Povo), num envento que se intitulou II FLIT – Feira de Literatura Infantil de Taubaté.

Em 2011, a ilustríssima presidente ( agora “presidenta”, por força de lei) assinou o requerimento que dava o título de Capital Nacional da Literatura Infantil à cidade de Taubaté.
Com essa alcunha, aliás, título merecidíssimo, já que Taubaté é o berço do “Pai” da Literatura Infantil, o cidadão José Renato, que virou José Bento Monteiro Lobato, o município vem tentando se estabelecer como cidade  literária.
Nesta empreitada, pelo segundo ano, a Secretaria de Cultura e Turismo organiza o evento, que segundo os moradores de Taubaté, apesar de tímidos, é a festa que estava faltando para a valorização do livro.
Antes de pegar o microfone e falar a todos sobre meu novo trabalho em prol da literatura infantil, andei pela avenida e apreciei os espetáculos musicais e teatrais que foram de uma beleza incontestável. Ainda a caminhar entre os estandes pela animada via, que não poderia ter outro nome, senão Alegria do Povo, encontrei os personagens que me fizeram companhia nas minhas mais encantadoras leituras de criança, a turma do Sítio do Picapau Amarelo.
Abraçá-los e registrar cada momento com esses ícones de um dos maiores escritores de todos os tempos foi a realização concretizada, para alguém que inspirados por eles, hoje trilha o mesmo caminho, o de encantar crianças e jovens com a boa literatura.
Abraçar Emília, foi como abraçar o próprio Monteiro Lobato e reverenciá-lo pelo bem ele fez à humanidade quando colocou na boca de bonecos e crianças suas mais contundentes contestações, frente a uma sociedade retrógrada e de interesses excusos que se delineava em sua época. 
Não só por isso, mas seu legado, é o que temos de mais importante hoje: bibliotecas nas escolas, livrarias e sebos que aumentam a cada dia, projetos de leitura que a todo momento se instauram, feiras (como a de Taubaté) e bienais, bem como o surgimento de grandes escritores como José Mauro de Vasconcelos, Maria José Dupré, Lygia Bojunga, Ana Maria Machado e tantos outros premiadíssimos por seu conjunto de obra.
Do legado de Monteiro Lobato ainda há que se lembrar da nossa gente. Os Taubateanos com seus artistas em crescente sucesso, bem como o vastíssimo grupo dos artistas joseenses, destaco aqui os escritores que de uma forma ou de outra, enfrentando dificuldades ou não de incentivo, lançam seus livros e os colocam à apreciação do povo.
Falei, por quase uma hora sobre a obra Histórias da Lua-cheia e encantei os visitantes da feira com turma que havia levado comigo. 
Uma garotinha esperta, devia ter quatro anos, no mínimo, foi quem deu a grande lição do conhecimento da cultura do nosso país. Ela falava com propriedade sobre Saci, Bicho  papão, Mula sem cabeça e Homem do saco. 
Se meu grande objetivo com essa obra é valorizar o Folclore Brasileiro, tão esquecido nestes tempos, sinto que o atingi. E foi pela participação de uma criança, momento em que a apresentação do meu trabalho chegou ao apogeu, que ficou gravado para sempre no universo, o som de nossas vozes no eterno convite para a leitura. 
Entrevistado pela TV Cidade, nas minhas considerações finais lembrei de cobrar os adultos do incentivo da leitura a uma criança. Lembrei de dizer a eles que presentes em forma de livros, passeios às livrarias, feiras e bienais, além de atividades saudáveis, no momento em que a criança interage com tudo isso,  é uma fomentação de lembrança, que no futuro pode render bons resultados como pessoas que valorizem a cultura e a reproduzam no seu dia a dia.
Livros são asas. Leia e voe! 

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Vitrine do Escritor Joseense

 É, minha gente, já passou. Mais um grande momento do livro; mais um grande encontro de seus criadores. Criatura e criador, ator e autor, produto e produtor, juntos, na deliciosa Serra.


O Festival da Mantiqueira é uma conquista nossa. É seu, querida leitora, é seu querido leitor, enquanto meu e dos queridos autores, mulheres e homens, que ensejam falar ao mundo.
Outra vez, e o sucesso dos grandes escritores aqueceu os altos da Serra, a praça amiga, o povo amável e hospitaleiro, os grandes apoiadores da Arte que imita a vida.
Outra vez, e os talentos das letras adjetivados por joseenses abriu o baú dos maravilhosos tesouros e é pela quinta vez, que o tesouro é escancarado e admirado por muitos.

Os que não se contentaram em apenas admirar, desejaram levar consigo “unzinho” só, que fosse, para se deliciar em casa, quem sabe naquela macia rede, ou no sofá da sala, no tapete, no seu mundo, enfim.
Obrigado, povo joseense! Obrigado povo de “São Chico”! Obrigado fiéis amigos incentivadores, os grandes leitores do Brasil!
Em breve estaremos juntos de novo e na próxima vez, em nome dos escritores de São José, prometo propiciar a você, muitos mais momentos ricos, divertidos, em que se provoque a fantasia, o espanto, o riso, o choro, a crítica, o inquietamento, a emoção, a sensação de que valeu a pena.
Momentos em que se provoque, principalmente a vontade infinita de ler e de contagiar a todos com esse prazer que não tem preço.
Abraços, querida colega escritora e prezado colega escritor. Abraços, fiel e querida leitora, fiel e caríssimo leitor.
Escrever para você é, sobretudo, o que há de mais sagrado e valioso. Conte sempre comigo.
E lembre-se: quando for às bancas ou às livrarias, pergunte pelos livros dos autores de São José dos Campos.
APOIE O ESCRITOR JOSEENSE!

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Histórias da Lua-cheia

           Que mistérios existem em noite tão clara de lua cheia?
Por que a escuridão do medo perpassa justamente as noites mais claras do ano, quando reina soberana a lua na sua plena maturidade?
         Sob sua guarda estão as histórias mais aterrorizantes e debaixo de seus olhares as figuras mais esquisitas, assombradas e deslumbrantes que se possa imaginar.
         A Lua-cheia é uma ótima contadora de histórias, uma brilhante inspiradora de histórias, e a ela estão associados os monstrengos e os entes mais fantásticos da cultura brasileira.
Sem sombra de dúvida, não há ninguém melhor que a Lua-cheia da Terra para contar a outras “luas”, o que viu e ouviu, principalmente nas sextas-feiras 13, nos meses de agosto, nas noites mais transluzentes, nas matas, nas clareiras, em todo o Brasil.
         É a nossa lua quem pode traduzir a visão amedrontada dos povos indígenas, a ingênua simplicidade dos sertanejos, o estranhamento, dúvidas e pavores dos famosos visitantes, através da arte de contar histórias, quando o público é formado por suas vizinhas curiosas e semelhantes que também giram no espaço em torno de outros planetas.
         A Lua-cheia da Terra, diante de tantas riquezas culturais, vampiros da Alemanha e Romênia, bruxas e fantasmas dos países da América do Norte, múmias do Oriente Médio e deuses da Grécia e Roma antigas, encantar-se-á justamente com o Saci-pererê, Curupira, Caipora, Homem-do-saco, Bicho-papão e outros seres de um país criança chamado Brasil.
         Antes que nossas lendas sejam esquecidas, antes que nossos mitos deixem de aparecer nos livros, nas revistas e não haja mais qualquer material sobre eles, a maior contadora de histórias do universo vem preservar este tesouro maravilhoso escondido em terras brasileiras, em matas brasileiras.
        Antes que o negrinho de uma perna só deixe de aprontar suas traquinagens, que a sereia Iara pare de encantar os homens com seu canto mágico, que o Homem-do-saco desista de pegar criancinhas desobedientes para fazer mingau, que o Bicho-papão se canse de assustar crianças no escuro porque não querem dormir, que o Curupira desista de enganar os caçadores com seus rastros invertidos, antes que o Lobisomem perca a vontade de uivar amorosamente para a lua cheia em suas noites; apareça esta mesma lua, poderosa e sábia, a contar às crianças e aos jovens as suas mais arrepiantes e interessantes histórias.
         Viva a Mitologia Brasileira!




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O Beijo


Fonte: www.escrivaninha.net.br



Meus pais não me ensinaram a beijá-los. Não teve essa coisa de abraço e de intimidades em casa. Sabíamos que nos amávamos, simplesmente a partir do cuidado que um tinha pelo outro.


Lembro-me que quando criança, na escola, fazia aquelas lembrancinhas de papel, em que a gente escrevia “eu te amo, mamãe". Sinceramente, enquanto participava dessa atividade até me sentia bem, mas depois, ao me deparar com a possibilidade de entregá-la a minha mãe, vinha o desconforto.


 Eu passava a sexta e o sábado todinho, pensando num jeito de dizer a ela “Feliz Dia das Mães”, e dar um beijo e um abraço, quando chegasse o domingo de manhã. E por mais que ensaiasse, no dia, o máximo que eu conseguia fazer era dar a lembrancinha e um abraço rápido sem falar nada. Sofria, mas não desejo para ninguém a força contrária que faz uma prisão de sentimentos, como a que havia em mim.

Confesso que me senti aliviado, quando cresci porque não precisava mais fazer as tais lembrancinhas para o Dia das Mães. Você vai pensar que estou criticando quem pratica isso, mas o que realmente estou dizendo é que para mim, esse sempre foi um momento de profunda angústia.

 Depois de adulto, eu comprava presentinhos para ela, mas, dono de mim, sentia-me menos mal, entregava com alegria e utilizava o pensamento e o olhar para apresentar meu amor.

Como eu queria que ela soubesse ler minha mente e eu a dela! Somente assim saberíamos traduzir as palavras ocultas naqueles silêncios carregados de ternura, que era a única coisa que sabíamos expressar.

Você vai se espantar, mas me dará razão.

Com o passar do tempo, não houve mais comemoração do Dia das Mães naquela data estabelecida, e penso que mamãe entendeu o que fiz. É que, nunca mais esperei chegar o segundo domingo de maio para dar alguma coisa a ela; o que eu podia dar, passei a fazê-lo no dia a dia.

Assim também foi com o seu aniversário. Todo dia era dia de comemorar a sua vida e, sendo eu a pessoa que mais conheceu sua simplicidade, sabia que um aniversário feliz para ela era aquele que se comemorasse da forma mais simples possível.

Só eu sabia o quanto ela se incomodava, na sua timidez, quando cantavam os parabéns e solicitavam que ela soprasse as velinhas!

Num dia desses, mesmo eu não tendo dado nenhum presente a ela, como fizeram meus irmãos ao virem nos visitar, minha mãe me perdoou quando me disse: “não precisa, você já me dá tudo.” Ou quando noutra vez ela expressou: “Você é um filho de ouro”.

Só agora, depois de tanto tempo, ao lembrar as frases emblemáticas que ela me disse com tanta dificuldade, finalmente compreendi o amor que ela expressou a primeira vez,cuidando de mim em seu ventre e a gratidão por vivermos juntos os últimos dias.  E se antes eu me sentia culpado de fazer pouca festa, de não mostrar mais o meu lado carinhoso, o que me consola é saber que era exatamente desse jeito que ela gostava.

Desculpe-me pela emoção! Mas agora depois de dois anos, eu choro novamente.

Neste domingo que antecede ao do Dia das Mães é que, fazendo um bolo, comecei a pensar em quando ela sentava à cabeceira da mesa e untava a forma, enquanto eu batia os ingredientes.

Pensei também, enquanto batia a massa, no que pedi a Deus naquela semana em que a vi fraquinha e com movimentos lentos. Que Ele não a levasse sem que antes eu conseguisse expressar com um beijo o meu amor e a minha gratidão.

Ah, se eu soubesse! Mas na sexta-feira à noite quando ela estava internada, eu lhe disse a seguinte frase: “mãe, eu vou pra casa, mas amanhã eu volto no horário de visita”, e depois disso dei-lhe “o beijo” postergado por tantos anos.  Fiquei sabendo que, depois da minha saída, ela chorou.

No sábado de manhã, minha mãe e meu coração, os dois partiram.



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Pressa vira Pressão

O modo como se vive o trânsito é o modo como se leva a vida. Explico. Outro dia levantei-me de manhã, cinco minutos depois do tempo convencional. Fazia muito frio e pensei que cinco minutinhos a mais debaixo do cobertor fariam alguma diferença no chamado tempo adequado de sono. Diferença fez sim, apenas contribuiu com o inadequado modo de sair de casa em direção ao trabalho.


Cinco minutos a mais de cobertor significou correria para me arrumar, pressa para digerir o café da manhã, e pressão para dirigir o automóvel, corrida contra o tempo que começou numa afobação logo ao sair da garagem. Depois disso, já dá pra imaginar a maneira acelerada como me conduzi, tentando apressar também os outros e brigando com meio mundo, ainda que, na ladainha dos meus resmngos.

Naquela manhã, todos os semáforos avermelharam-se. E não foi de vergonha, afinal quem deveria ter sentido isso, era eu.  Não peguei um sinal que não me obrigasse a parar. Era como se eu estivesse recebendo o cartão de um árbitro, reprovando meu comportamento perigoso, e poderia entender, não fosse o pensamento voltado exclusivamente ao tempo, que estava sendo expulso daquele grupo que se encaminhava ordeiramente para o seu dever cotidiano.

Costumo ser muito tranquilo e cauteloso ao conduzir meu carro, mas num dia como aquele, seria possível ser prudente quando se desejava recuperar cinco minutos de atraso da rotina diária? O fato é que, naquelas condições, o relógio de ponto, aquele que registra de forma sisuda a entrada do funcionário à empresa e que ri da sua cara no final do mês, se por algum atraso lhe vem um desconto na hora do pagamento, transforma-se no seu pior inimigo.

Cinco minutos que seja de atraso, é capaz de mudar o temperamento e povoar a mente com a imagem de um famigerado relógio-monstro-de-ponto e o que é pior, fazer os ponteiros dos relógios dos outros parecerem parados frente aos seus, disparados.

Nesse dia, é possível achar que todas as pessoas ficaram lentas, todos os veículos andam muito abaixo da velocidade estabelecida, e a imagem que se tem do trânsito é a de um festival de carroças que saíram para um dia de desfile.

Alguém já viu, em dia de desfile, pessoas e alegorias se preocuparem em ser rápidas? Difícil. Somente aquele que não quer ser admirado. Mas este certamente, estaria do lado de fora da avenida, admirando então.

O atraso de um, é capaz de transformar o trânsito, de comunidade que é, em um mundo de feras, totalmente selvagem, ocasião em que um soar de buzina pode ser interpretado como um rugido, criando a cena de motoristas ofendidos saindo de suas máquinas com as garras e as presas afiadas prontas para o ataque.

Vivemos um tempo de escassez de consciência. Falta consciência na família, falta consciência no colégio, falta consciência no trabalho e a partir dessa constatação, como dizer algo diferente do trânsito?

O problema é que no trânsito, se falta o mínimo de consciência, converte-se o automóvel, que há muito tempo deixou de ser luxo, em arma poderosa, capaz de mutilar corpos e ceifar vidas. 

Um delicioso conforto de cinco minutos a mais ao calor dos cobertores numa manhã de frio rende impaciência, intolerância, o que de nada adianta, pois gera desconforto quando o calor dos ânimos exaltados é que dita as regras de todo o trajeto, do local de partida ao local de chegada.

Quando se vive numa coletividade, em que uma pessoa está ligada a outra direta ou indiretamente, o incômodo causado não é único, mas extensivo a todos quantos fizerem parte desse processo. Isto quer dizer que, no ato de dirigir apressadamente, quase sempre os veículos se colam na traseira dos outros, e essa proximidade, que comumente chamamos pressão, acaba pondo em risco no mínimo duas vidas, uma delas, inclusive, que não teve o privilégio de desfrutar dos mesmos cinco minutos da preguiça da outra.

Eu poderia escrever muito mais sobre o que observo no trânsito diariamente, porém, como já se faz tarde, desejo hoje dormir um pouco mais cedo, para amanhã levantar cinco minutos adiantados e poder sair calmamente, respeitando meus colegas motoristas, motociclistas e meus também semelhantes pedestres e parceiros ciclistas como irmãos e não como inimigos; comportando-me como gente e não como bicho.



© Carlos José dos Santos – 30/6/11 – Todos os Direitos Reservados












O Boneco Político

               Era uma vez um velho carpinteiro solitário que habitava uma humilde casa no campo. 

            De idade avançada, e tendo todos os seus direitos desrespeitados apesar de um estatuto que não conseguia ler, resolveu por fim à solidão. Teve a feliz ideia de construir um boneco de madeira para fazer-lhe companhia e para ajudá-lo a cuidar da casa.

  Bem cedinho, o velho dirigiu-se para a floresta encantada e escolhendo entre as árvores, a mais antiga e bonita, levou dela consigo, enormes galhos.

 Trabalhou sem folga o dia todo e ao terminar o serviço, admirou sua obra. Disse que o que tinha feito era tudo muito bom e desejou ardentemente que o boneco tivesse vida.

           Dormiu aquela noite um sono de pedra, mas na manhã, teve o dia mais feliz e suave de todos os tempos, pois seu bonequinho pulava, cantava e falava pelos cotovelos.

           Todavia, não demorou muito para que reinasse naquela casa uma grande confusão: o boneco era um mentiroso dos piores e um fazedor de promessas de marca maior.

  Para começar o dia, a primeira coisa que o boneco prometeu foi apanhar lenha no bosque para abastecer o fogão. Cumpriu? Que nada!

           Seu narizinho de madeira cresceu dez centímetros por causa da promessa não cumprida, embora o marotinho nem sequer se desse conta.

           Prometeu ainda ao avô, varrer a casa, limpar o quintal, lavar as louças do almoço, ser bom boneco, trabalhar na carpintaria e tantas coisas mais. Cumpriu? Nem um só dos juramentos!

           Seu narizinho virou um narigão de cinquenta centímetros e poderia ser usado como um cabide se assim o quisesse.

           Foi desse modo que o boneco falante tornou-se popular nas redondezas, fato que o fez eleito para um importante cargo político na cidade.

  Engana-se quem pensa pensa que depois disso as mentiras acabaram.

  O número de promessas aumentou e entre elas estavam asfaltar ruas, cuidar dos doentes, construir escolas, criar mais empregos, promover uma reforma agrária na região, e blá, blá, blá, blá...

  O pior de tudo, é que para cumprir essa lista enorme de promessas, o candidato eleito anunciou ser necessário aumentar o próprio salário.

   Não cumpriu as promessas nem em sonho, mas seu salário dobrou, acrescido com a ajuda dos companheiros, que não eram de madeira, mas lavavam o rosto com óleo de peroba.

            Quem olhasse agora para aquele boneco animado, criado pelas mãos habilidosas de um bom velhinho ao entalhar a matéria de uma árvore encantada, veria uma figura de pedra, irreconhecível, com um narigão que já passava de um metro de comprimento.


            Espantou-se também o boneco político com a coisa em que se transformara, ao parar pela primeira vez diante do espelho. E foi inconformado por ter que se mirar de longe e não conseguir se encarar, que pediu ajuda.


            Para a sorte do endurecido político, veio em seu socorro uma de suas eleitoras e, apresentando-se como fada madrinha, levou-o para conhecer as favelas, os hospitais, as escolas, os meninos de rua, os desempregados e as pessoas que sobreviviam com um salário cem vezes menor que o dele.

   Inovidavelmente, o político de pedra, compadeceu-se de tudo o que viu, por isso disse à fada que estava pronto para mudar.  
 
             
           Começou dali em diante a cumprir tudo o que prometera. Mirou-se mais vezes no espelho, deixou de curvar-se ao dinheiro, testemunhou seu nariz diminuindo, sentiu pulsar o coração e percebeu calor em seu corpo. 


            O boneco virou gente.

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SEMANA DA AMIZADE - Segundo dia

Sobre a Inversão de Valores E com certeza,  de todos os amigos,  a internet é a melhor amiga da pessoa.  Apesar da sua frieza...