12 de agosto de 2012

O Beijo


Fonte: www.escrivaninha.net.br



Meus pais não me ensinaram a beijá-los. Não teve essa coisa de abraço e de intimidades em casa. Sabíamos que nos amávamos, simplesmente a partir do cuidado que um tinha pelo outro.


Lembro-me que quando criança, na escola, fazia aquelas lembrancinhas de papel, em que a gente escrevia “eu te amo, mamãe". Sinceramente, enquanto participava dessa atividade até me sentia bem, mas depois, ao me deparar com a possibilidade de entregá-la a minha mãe, vinha o desconforto.


 Eu passava a sexta e o sábado todinho, pensando num jeito de dizer a ela “Feliz Dia das Mães”, e dar um beijo e um abraço, quando chegasse o domingo de manhã. E por mais que ensaiasse, no dia, o máximo que eu conseguia fazer era dar a lembrancinha e um abraço rápido sem falar nada. Sofria, mas não desejo para ninguém a força contrária que faz uma prisão de sentimentos, como a que havia em mim.

Confesso que me senti aliviado, quando cresci porque não precisava mais fazer as tais lembrancinhas para o Dia das Mães. Você vai pensar que estou criticando quem pratica isso, mas o que realmente estou dizendo é que para mim, esse sempre foi um momento de profunda angústia.

 Depois de adulto, eu comprava presentinhos para ela, mas, dono de mim, sentia-me menos mal, entregava com alegria e utilizava o pensamento e o olhar para apresentar meu amor.

Como eu queria que ela soubesse ler minha mente e eu a dela! Somente assim saberíamos traduzir as palavras ocultas naqueles silêncios carregados de ternura, que era a única coisa que sabíamos expressar.

Você vai se espantar, mas me dará razão.

Com o passar do tempo, não houve mais comemoração do Dia das Mães naquela data estabelecida, e penso que mamãe entendeu o que fiz. É que, nunca mais esperei chegar o segundo domingo de maio para dar alguma coisa a ela; o que eu podia dar, passei a fazê-lo no dia a dia.

Assim também foi com o seu aniversário. Todo dia era dia de comemorar a sua vida e, sendo eu a pessoa que mais conheceu sua simplicidade, sabia que um aniversário feliz para ela era aquele que se comemorasse da forma mais simples possível.

Só eu sabia o quanto ela se incomodava, na sua timidez, quando cantavam os parabéns e solicitavam que ela soprasse as velinhas!

Num dia desses, mesmo eu não tendo dado nenhum presente a ela, como fizeram meus irmãos ao virem nos visitar, minha mãe me perdoou quando me disse: “não precisa, você já me dá tudo.” Ou quando noutra vez ela expressou: “Você é um filho de ouro”.

Só agora, depois de tanto tempo, ao lembrar as frases emblemáticas que ela me disse com tanta dificuldade, finalmente compreendi o amor que ela expressou a primeira vez,cuidando de mim em seu ventre e a gratidão por vivermos juntos os últimos dias.  E se antes eu me sentia culpado de fazer pouca festa, de não mostrar mais o meu lado carinhoso, o que me consola é saber que era exatamente desse jeito que ela gostava.

Desculpe-me pela emoção! Mas agora depois de dois anos, eu choro novamente.

Neste domingo que antecede ao do Dia das Mães é que, fazendo um bolo, comecei a pensar em quando ela sentava à cabeceira da mesa e untava a forma, enquanto eu batia os ingredientes.

Pensei também, enquanto batia a massa, no que pedi a Deus naquela semana em que a vi fraquinha e com movimentos lentos. Que Ele não a levasse sem que antes eu conseguisse expressar com um beijo o meu amor e a minha gratidão.

Ah, se eu soubesse! Mas na sexta-feira à noite quando ela estava internada, eu lhe disse a seguinte frase: “mãe, eu vou pra casa, mas amanhã eu volto no horário de visita”, e depois disso dei-lhe “o beijo” postergado por tantos anos.  Fiquei sabendo que, depois da minha saída, ela chorou.

No sábado de manhã, minha mãe e meu coração, os dois partiram.



© Carlos José dos Santos – Todos os Direitos Reservados



3 comentários:

  1. Caro Carlos José, você escreve seguindo um roteiro né, pelo que percebi; vou ler com bastante calma; sucesso e abraços.

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  2. Caro amigo das letras, pelo que percebo você escreve histórias seguindo um roteiro como se fosse cinema etc né? abraços, vou ler com bastante calma os capítulos. Sucesso.

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  3. Pessoas ilustres como você podem vir sempre que quiserem. Meu intuito é fomentar a leitura nessa nação de nomes tão premiados na literatura. Abraço.

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